segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ENCONTROS DOS BARDINHOS
Entre Portalegre e Castelo de Vide
Contactos: 245 203 555 ou 967 971 609

Encontro de 4 e 5 de Novembro de 2017

Com Jorge Leandro Rosa, José Tavares, Luís Vintém, 
Maria de Magalhães Ramalho, Michael Lebaigue
– vindos do Porto, Lisboa, Leiria, Nisa e Portalegre,
e ainda com Dulce Pascoal e Miguel Teotónio Pereira

Paris 2017: a impossibilidade da Deriva (Maria Ramalho).

Sábado, 4
15h – Interpretação da recém-publicada tradução portuguesa do poema de Léo Ferré, Tout s’en va, pela sua tradutora, Dulce Pascoal, seguida da leitura de «Primeiro poema, caso seja 1 poema», pelo seu autor, Miguel Teotónio Pereira
16 h – Luís Vintém: «Um percurso fotográfico», apresentação e exposição de trabalhos
18 h – Maria de Magalhães Ramalho: «Os lugares da deriva na Internacional Letrista, 1954-2017». – «A fórmula para o derrube do mundo não a fomos procurar nos livros, demos com ela vagueando. Era uma Deriva de longos longos dias, em que nada se parecia com aquilo que a véspera mostrara; e que nunca cessava.» (Guy Debord)
20h00 – Jantar
22h00 – Apresentação e visionamento do filme de José Tavares e Stefanie Zoch, Memória Subversiva – Anarquismo e Sindicalismo em Portugal, com a participação de José Tavares

Domingo, 5
11h30 – Michael Lebaigue: «Imaginação e espiritualidade», palestra-debate
13h30 – Almoço
15h30 – Jorge Leandro Rosa: Apresentação e debate do seu projecto «Duzentos anos de resistência à sociedade industrial»

Jorge Leandro Rosa
Ensaísta e tradutor. Continua a definir-se como ecologista e não-violento, mas está atento aos equívocos. Colabora regularmente em revistas culturais nacionais e estrangeiras, sendo ainda co-editor da Nada, revista sobre tecnocultura, pensamento, arte e ciência. Actualmente,  é investigador do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto. Tendo sido professor do ensino superior, actividade que ainda exerce irregularmente, prefere hoje abandonar-se aos mais diversos regimes dos ventos.
José Tavares
Andarilho dos sete caminhos, desalinhado desde a adolescência, as suas actividades relacionam-se com a difusão da palavra escrita como instrumento de emancipação, em particular através dos ideais anarquistas. Criou em Coimbra e depois em Lisboa a extinta Livraria Crise Luxuosa, foi editor das revistas Maldição e Coice de Mula, tem colaborado noutras publicações de orientação libertária e na sustentação de iniciativas como a BOESG, em Lisboa. O seu filme sobre o anarquismo histórico em Portugal é um documentário de referência. É também pintor (actividade descurada nos últimos anos), performer e horticultor. Além de excelente cozinheiro.   
Luís Vintém 
Activista, professor e fotógrafo, dedica-se também ao documentário (é autor, entre outros trabalhos, da curta-metragem O Pão). Reside em Portalegre, mas viaja muito, em particular por Espanha, por força de notáveis e apaixonantes estímulos. 
Maria de Magalhães Ramalho
Formada em História, é mestre em Arqueologia e arqueóloga de profissão. Tem feito parte, desde longa data, de diversos movimentos e associações de defesa do ambiente e do património. Faz investigação sobre a Internacional Letrista e a Internacional Situacionista, por gosto e por se sentir identificada com o espírito e a prática destes movimentos, surgidos nos anos 50, em particular com este último, que tem interessantes ligações a Portugal.
Michael Lebaigue
Mestre em Economia, passou em criança pela educação alternativa em escolas Waldorf e Montesori, sentindo desde sempre um vivo interesso pela educação livre. De formação musical clássica, é multi-instrumentista (violoncelo, guitarra, saxofone, trompete) através de outras gramáticas musicais. Além da música, passou a dedicar-se ao estudo da espiritualidade, incluindo nesta a hipnose, o xamanismo e a educação do seu filho.

Foto: Luís Vintém, da série "Fôlego"







































ENCONTROS DOS BARDINHOS 
NOTAS SOBRE O ENCONTRO DE 13 E 14 DE MAIO DE 2017


PDuarte e Andrea


Este encontro congregou intervenções muito diversas, mas complementares. No sábado, um informe-debate sobre «Saberes ameríndios»; um acto poético (Manuel Silva-Terra); uma palestra sobre o som na palavra, seguida de um recital (Anabela Duarte). No domingo, uma sessão colectiva de musicoterapia, proposta pela Joëlle; um acto poético-teatral (Cátia Vieira); e uma palestra-debate (Michael Lebaigue).


  



1 A poesia como acto 
Manuel Silva-Terra ofereceu-nos um evento invulgar, que situaria algures entre a performance, a conferência e o ritual. Para palco, escolheu o exterior luminoso da casa da Joëlle e do Júlio, mais especificamente um local do pátio onde sobressaía um buraco redondo escavado na terra, em redor do qual dispôs a plateia. Além do poeta/editor, também fizeram parte activa da performance o próprio público, bem como um saco contendo enigmaticamente uma tesoura de podar, um par de luvas de jardineiro/agricultor, uma caixa de fósforos e uma pilha de livros dos quais o Manuel era autor e/ou editor. «Tudo ferramentas do poeta», dizia-nos Manuel.
Perante a perplexidade inicial da plateia – que se interrogava sobre o porquê de um poeta com luvas e tesoura de podar junto a um buraco recém-escavado, Manuel Silva-Terra iniciou uma digressão, também ela enigmática, sobre a missão do poeta, a qual não contribuiu de modo algum para eliminar a perplexidade geral. Eis algumas ideias fortes dessa digressão: o poeta é aquele que nos aproxima do vazio, que aquele buraco escavado no pátio afinal de contas representava; é aquele que depura como nenhum outro as palavras, reduzindo-as ao essencial; é aquele que, no seio de uma sociedade que debita toneladas de «comunicação» e de «informação» por segundo, sabe inversamente escolher o mínimo de recursos para comunicar uma verdade; a verdade, de que os média permanentemente nos iludem, resulta dessa depuração de que apenas o poeta é capaz; o poema perfeito seria um poema vazio, sem palavras, puro silêncio. 
Manuel Silva-Terra em actu terris e Diana ao fundo

Foi no quadro desta digressão que a imagem da poda de árvores constituiu uma metáfora do trabalho do poeta de eliminar o acessório (os ramos secos) para apenas deixar o que é essencial à frutificação. Podar é para o poeta, tal como para o fruticultor, um exercício fecundo: o acto que garante o frutificar. No entanto, Manuel Silva-Terra revelou-se um podador invulgar e radical, na medida em que para ele a poda não serve apenas para ir eliminando o acessório enquanto se avança na composição de um poema. Serve também para eliminar o próprio poema, uma vez acabado. O poema terminado, o livro editado, a obra acabada pouco lhe interessam, enquanto criador (talvez não enquanto editor, podemos supor). A poda surge assim como fonte de renovação, de rejuvenescimento: é para se renovar e poder dar origem a outras obras que o criador se desfaz da obra acabada. Por conseguinte, assim que nasce, a obra morre para o criador, que deve passar a concebê-la como um defunto para se virar para outra criação. Foi nesse sentido que o performer Manuel foi podando um a um os livros que trazia consigo, cortando-os ao meio. 
Cada fragmento desta poda foi gentilmente oferecido a um membro do público, que seria mais tarde exortado a ler uma passagem do fragmento que lhe coube em sorte. «Isto é verdadeiramente um Potlatch», ouvi o Júlio exclamar. Mas houve quem se queixasse desta generosidade poética: «Será que não posso ficar antes com um exemplar inteiro?» Esta produção e oferenda de fragmentos serviu de pretexto para uma digressão teórica sobre a fragmentação, que foi apresentada como o modelo ideal até para a organização política. Manuel fez questão de sublinhar que a meta do poeta não deve ser a de conduzir-nos ao uno mas ao fragmentado, pois, segundo ele, a unidade é opressora e a fragmentação libertadora – ecos do pensamento anarquista. 
No final, o poeta procedeu à queima, no interior do buraco escavado, de inúmeras páginas das obras anteriormente podadas, sublinhando com o fogo o carácter passageiro das mesmas. No final, um cacto foi aí plantado, sobre as cinzas fecundas dos poemas queimados. O eterno retorno da vida, pensei eu.
PDuarte

2 Dos saberes ameríndios 
Esta sessão foi um informe do Júlio Henriques sobre a primeira parte do encontro «Questões indígenas: ecologia, terra e saberes ameríndios», realizado em Lisboa, uma semana antes, no Teatro Municipal Maria Matos, no contexto do empreendimento oficial «Lisboa Capital Ibero-Americana de Cultura 2017» (a segunda parte desse encontro decorreu entre 25 e 27 de Maio). Sobre a iniciativa no seu conjunto, cf. artigo de JH no jornal MAPA nº 17, de Julho-Setembro 2017.
JH começou por sublinhar que este grande encontro de Lisboa foi o primeiro realizado em Portugal com o objectivo de propor um diálogo com as culturas ameríndias, qualificando-o, por isso, como um acontecimento histórico. Lembrou também a qualidade de que essa iniciativa se revestiu, quer na escolha dos convidados, vindos do Brasil e de outros países sul-americanos, quer na organização do evento. 
Os intervenientes dos primeiros três dias (Eduardo Viveiros de Castro, Alejandro Reig, Elisa Loncon Antileo, Luisa Elvira Belaunde), antropólogos e antropólogas com longas experiências de terreno e autores de reputação internacional, abordaram as culturas ameríndias através de vários prismas, mostrando todos eles a extraordinária resistência destes povos ao longo de cinco séculos de colonialismo e a importância crescente que as suas culturas têm no mundo actual. As intervenções de Ailton Krenak, porta-voz do povo Crenaque (Brasil) e activista mundialmente conhecido dos direitos indígenas desde a década de 1980, revelaram na primeira pessoa modos de viver e de pensar que prosseguem uma obstinada luta pela vida (e, por isso, em defesa da natureza como um todo), apesar dos impressionantes obstáculos que nunca deixaram de ter pela frente. O antropólogo português Rodrigo Lacerda informou sobre o movimento do cinema indígena brasileiro, criado na década de 1980, apresentando dois filmes representativos das suas diversas facetas. 
Em todas as intervenções ficou claro que a grande questão para os povos indígenas americanos (e, por extensão, para os de outras regiões do mundo) não consiste em integrarem-se na «sociedade geral», mas sim em manterem e desenvolverem as suas próprias culturas e modos de vida. Daí terem sido abordadas com detalhe as circunstâncias da sua actual resistência às múltiplas formas de ataque aos seus territórios, sendo a situação pior e mais clamorosa a do Brasil, onde está a decorrer uma verdadeira guerra (movida sobretudo por grandes empresas dos ramos agropecuário, minerador e madeireiro, conluiadas com o Governo), guerra esta que dá continuidade, no nosso tempo, ao saque iniciado pelo colonialismo quinhentista. É de notar que a informação sobre o encontro de Lisboa, difundida pela Agência Lusa, foi boicotada pelos média; e que, apesar disso, o Teatro Maria Matos esteve sempre cheio. Alguns dos intervenientes no encontro «Questões Indígenas» vão colaborar no próximo número da revista Flauta de Luz, a editar em Fevereiro de 2018.
J.G.



  











3 Utopias do Som
Na noite de sábado, «Utopias do Som», título das intervenções de Anabela Duarte, cantora e investigadora na Universidade de Lisboa, começou por uma palestra em movimento sobre a importância do som na palavra, a partir da obra mais célebre de H. D. Thoreau, Walden ou a Vida nos Bosques (Antígona, 1999), mostrando como num texto se pode captar a acústica melódica que a palavra escrita encerra, neste caso com base na íntima observação de sonâncias da natureza e na escuta de actividades humanas. 
A sensibilidade temática que Anabela Duarte partilhou connosco, que remete, nos seus primórdios, para o movimento poético russo zaum, surgido em 1913, para os futuristas russos e os dadaístas alemães, e para o movimento letrista surgido em 1945 em França, foi posteriormente alvo de novas expressividades (e investigações), em diversos outros países, através da poesia concreta ou sonora, cuja presença em Portugal e no Brasil é também notável. 
Logo após a sua palestra, em que contextualizou teoricamente a matéria (o som na palavra), Anabela Duarte procedeu a uma entusiástica demonstração performativa mergulhando fisicamente na poesia sonora. Fê-lo através de uma expansiva interpretação letrista de poemas de Ana Hatherly e Liberto Cruz, e de uma singularíssima e divertida partitura «visual» da cantora lírica Cathy Berberian. 
Esta enérgica sessão, muito aplaudida, acabou por prolongar-se, com o visível prazer de todos, para um desempenho de canções a capella pela nossa generosa convidada, cuja voz portentosa, múltipla e imaginativa nos levou a pressentir os enigmas que rodeiam a acção vocálica, e algo da amplitude e do escultórico que nesta podem operar.
J.G.

  



4 «Murmúrios, Mud’Danças» foi o título dado pela Joëlle a uma acção de musicoterapia que envolveu quase todos os presentes (a participação pressupõe que se eliminem as inibições), incluindo por vezes as crianças. 
A expressão «musicoterapia» pode induzir em erro, se se pensar que é uma disciplina que consiste em ouvir música gravada. Isso pode acontecer por momentos, mas a «música» em questão é sobretudo a emissão sonora que os participantes produzem com o seu próprio corpo, das formas mais diversas, incluindo o sopro da voz. 
No caso vertente, o jogo (de relacionamento dos participantes) aconteceu a partir de diversas propostas de expressividade que implicavam inter-relacionamento e entreajuda, e em que cada pessoa tinha um papel a desempenhar. Sempre que resulta, trata-se de uma descoberta, quer de potencialidades não manifestas (ou pouco manifestas) de cada participante, quer do conhecimento mútuo que disso resulta. Na sessão em apreço, as bases foram lúdicas, do que decorreu um prolongado divertimento. Por exemplo, na parte do improviso verbal de línguas desconhecidas, através da leitura prosódica de textos nessas línguas, destacaram-se na verbalização o António Cândido, a Clara e a Anabela…
J.H. 



  
5 Marionetas de Cátia Vieira
As longas errâncias pela América Latina da jovem marionetista Cátia Vieira levaram-na a um fulgurante encontro com a sua própria sensibilidade expressiva, até então encoberta e medicada. Deu esse grande passo graças à música de rua que passou a praticar, à intimidade com a fotografia de lugares e pessoas particularmente inspiradores, ao carácter físico da acção teatral. Do seu repertório trouxe-nos duas peças, «O Sol» e «A Tecedeira», que maravilharam crianças e adultos. 
Dois seres femininos, dois corpos distintos, um em tamanho natural, o outro uma miniatura de gente, foram-nos progressivamente revelando o que é a fragilidade da delicadeza num mundo cujo sentido brutal se lhe contrapõe.
A arte exigente e subtil das marionetas de Cátia Vieira suscita uma poesia que não se escreve em folhas de papel, que provém de uma pauta invisível, e que, intrinsecamente irmanada à música, acontece à nossa frente como uma revelação.
J.H. 



Loki

6 Confrontação e educação: crianças e adultos
A última intervenção, no domingo ao fim da tarde, foi a de Michael Lebaigue, intitulada «Confrontação e educação: crianças e adultos». Formado em Economia, Michael enveredou já há anos por um modo de vida que põe em causa essa formação canónica, não sendo despiciendo notar que em criança, na Bélgica, frequentou uma escola Waldorf e uma escola Montesori. Dessa experiência primacial ficaram-lhe fundas preocupações e um vivo interesse pela educação, que se avivaram quando nasceu o seu filho Manu, acontecimento que o levou a participar, ao longo de cinco anos, num projecto de aprendizagem livre na comunidade Tribodar, nas imediações de Nisa, de que foi co-fundador. 
Músico e múltiplo instrumentista, Michael considera que esta e outras artes devem fazer parte, e muito seriamente, da educação das crianças, pela importância formadora, relacional, lúdica e convivial de que se revestem. Michael sublinhou a importância da educação livre para o crescimento harmonioso de qualquer pessoa, ou seja, da educação em que é a própria criança a descobrir o que deseja aprender, adoptando os processos mais estimulantes que disso decorram, naturalmente com a atenciosa ajuda e o afectuoso acompanhamento dos adultos.
Entre a criança e o adulto há sempre uma confrontação, mas esta pode e deve ser encarada, não como um choque («de culturas»…), mas como uma ligação em que ambos aprendem, ao aprenderem a conhecer-se e a comunicar entre si profundamente. Cada qual, sem dúvida, com a sua própria linguagem, a qual, porém, não é redutível às idiossincrasias das figuras convencionais de «adulto» e de «criança» como entidades cujas diferenças etárias as tornaria intransitivas e faria das suas respectivas vivências coisas incomunicáveis. A ligação efectiva entre a criança e o adulto começa pelo afecto, independentemente de entre ambos haver ou não uma relação parental. Mas o inicial relacionamento da criança com a mãe e com o pai, sendo desejavelmente fundador, é particularmente construtor. Em contrapartida, na educação subsequente, em que a mãe ou o pai podem não estar sempre presentes, o afecto (e a fundamental segurança ontológica que este transmite) nunca deve estar ausente. 
J.H.   
Michael e Manu Inca

Joana, Guiomar e Diana Mota

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