quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Apontamento sobre o encontro de 19 e 20 de Novembro de 2016

Este fim-de-semana foi muito diferente do primeiro. Os participantes renovaram-se nesses dois dias, vindos de línguas e países diversos (português, inglês, francês, italiano, grego, flamengo, romeno), incluindo jovens estudantes da ESECSP oriundas de S. Tomé e Príncipe ou com raízes na Guiné-Bissau. O diálogo, atento, foi profícuo, respeitando diversidades e divergências.
O livro O Irresponsável, do autor espanhol Pedro García Olivo, traduzido e editado por Pedro Morais, de Lisboa, que o apresentou, gerou um debate sugestivo que eu teria gostado de ver aprofundado; mas a diversidade de línguas e a necessidade de tradução imediata travou um pouco a discussão, sem, no entanto, a mutilar. No plano da identidade, o que julgo exprimir de mais fundo García Olivo, dissidente do ensino, é que sem a assunção do nosso corpo e sem um contacto vitalista com a terra nós não passamos de funcionários, pequenos e grandes, educados por uma escola que tende a negar-nos e ridicularizar-nos.
Daniela, jovem italiana doutorando em Lisboa de estudos pós-coloniais, trouxe-nos o documentário antipsiquiátrico Sensa ragione, de Mauro Massafra, por ela traduzido e legendado em português. A presença entre nós de um jovem psiquiatra suscitou um vivo debate sobre uma problemática cuja amplitude civilizacional não pode deixar ninguém indiferente. 
No domingo, José Paulo Ramalho veio falar-nos da sua experiência de ruptura com a profissão de publicitário numa agência internacional para adoptar uma vida autónoma, materialmente modesta e muito estimulante na serra de S. Mamede, onde passou a viver há alguns anos vindo de Lisboa. A oficina prática que nos propôs, intitulada «Não há cura sem loucura – Sair da zona de desconforto», foi ao mesmo tempo forte, sintética e completa, além de comovente pela sua sobriedade inteligente e sem sentimentalismos, levando-nos a «jogar» um exercício de reflexão e decisão apontando para os nossos próprios desejos e para o caminho a percorrer se quisermos alcançá-los. 
Como o Luís Vintém, ausente, não pôde vir apresentar o seu trabalho fotográfico, coube-me propor, como estava previsto, uma sessão de musicoterapia, que só pôde realizar-se (e bem) no dia seguinte, por termos prolongado a última sessão do domingo.  Surpreendeu alguns dos participantes que a relação da musicoterapia com a música não fosse o que imaginavam: ouvir música, simplesmente, e fazer «qualquer coisa» a partir daí. É verdade que o nome desta disciplina pode prestar-se a alguma confusão. Na verdade, porém, a musicoterapia pode até prescindir da música propriamente dita; recorre às sonoridades como elementos vitais e estimulantes (de descoberta), mas estes não têm necessariamente que ser os da linguagem musical, podendo ser, por vezes com vantagem, os produzíveis com o nosso próprio corpo (a começar pela voz) ou os desencadeados pelos diversos dispositivos ou materiais que nos rodeiem, de madeira, metal, vidro, etc.  A musicoterapia é uma busca de sentido, de reequilíbrios, a partir do que pode ouvir-se e transmitir-se.  

Joëlle Ghazarian





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