quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Culturas e dissídios

Local: Quinta dos Bardinhos ● Portalegre
Informações: 967 971 609 
correio-e: joelle.ghazar@sapo.pt 
Ciclos organizados por Joëlle Ghazarian
Entrada gratuita

Como chegar
Fica a 7 km de Portalegre e a 12 km de Castelo de Vide. Vindo do lado de Portalegre, seguir em direcção a Castelo de Vide, passar completamente a aldeia de Vargem, seguindo até ao primeiro cruzamento à esquerda (Fonte do Sapo); cortar à esquerda, seguir na direcção de Fortios e telefonar. Vindo do lado de Castelo de Vide: 10 km após a bifurcação para Portalegre, ao chegar ao primeiro aglomerado de casas, cortar à direita, seguindo as indicações anteriores.

Foto de Luís Vintém




19 de Novembro de 2016 (sábado)
16h00
Apresentação do livro O Irresponsável, de Pedro García Olivo,
por Pedro Morais, seu tradutor e editor 

O Irresponsável, livro diabólico de Pedro García Olivo, inaugura a crítica que o autor dispara contra a Escola, campo laboral por que tinha justamente acabado de passar. Essa experiência, entranhada na sua consciência e na sua carne, só poderia ser expurgada através do acto de uma escrita catártica libertada no papel através de um ataque sem tréguas ao seu alvo. O Irresponsável é o resultado disso. Nem sempre fácil de adentrar, este livro, muito pessoal, abre-nos uma janela para a luta do autor dentro e contra a instituição escolar, deixando-nos entrever a crítica antipedagógica por ele elaborada em trabalhos posteriores como El educador mercenario, El enigma de la docilidad e La bala y la Escuela. O Irresponsável é o segundo livro do autor editado em português.

21h30 
Senza Ragione (Sem Razão) 
Documentário antipsiquiátrico de Mauro Massafra (Itália, 2007), legendado em português
O autor deste documentário lutou durante algum tempo contra a psiquiatria e as suas práticas; presentemente, é agricultor.

20 de Novembro de 2016 (domingo)
12h00 
Não há cura sem loucura. Sair da zona de desconforto, por José Paulo Ramalho
No contexto da «crise de civilização» por que estamos a passar, há quem a ela reaja de forma positiva, procurando criar alternativas ao modo de vida convencional. Em que medida é isto possível entre nós?  

16h00
Obra fotográfica, de Luís Vintém
Visionamento comentado pelo autor. Do retrato às lutas sociais. 
Ou, em alternativa, se Luís Vintém tiver de se ausentar: 
Oficina de Musicoterapia, por Joëlle Ghazarian


Sobre os participantes
Pedro Morais, membro da jovem e grande família do precariado português, reside temporariamente em Lisboa. É tradutor nas horas vagas e editor da Textos Subterrâneos e da mais recente Textos Ígneos. 
José Paulo Ramalho, ex-publicitário, é agricultor e artesão na zona de Portalegre.
Luís Vintém, fotógrafo e professor, reside em Portalegre. 


Notas sobre o primeiro encontro

Sob este título, realizou-se nos dias 5 e 6 de Novembro um primeiro encontro na Quinta dos Bardinhos (entre Portalegre e Castelo de Vide) que reuniu um conjunto de amigos e amigas em torno de seis diferentes temáticas, abaixo resumidas.  
Estes encontros, que pretendem ser mais ou menos regulares, partem da constatação de que nas presentes circunstâncias locais (caso vertente: zona de Portalegre) as associações ou instituições públicas realmente existentes vivem debaixo de novos temores políticos (não declarados e talvez impensados) ou de um mero conformismo que as impede de ter ou de acolher iniciativas que procuram ir às raízes de um certo número de situações e questionamentos actuais.
Os encontros a que demos o nome em epígrafe são simultaneamente um convívio em que partilhamos refeições e outras coisas. Foi caloroso, para todos, sentirmo-nos irmanados no propósito de mútuas descobertas, na simplicidade das relações, no sentimento de que a discussão não só é possível como não tem antolhos e pode ser fecunda, na convicção de que o espírito crítico é uma arma absolutamente indispensável. E é um particular prazer vermos em acção a capacidade de escuta, a atenção serena, a exaltação sem rebuços, o diálogo sem a tirania do relógio ou de hierarquias.       


Uma linguagem anímica
«Uma linguagem anímica», visionamento da pintura de Teresa S. Cabral, foi apresentado por Joëlle Ghazarian. Depois de ter concluído o curso de Belas-Artes muito jovem e de ter começado a expor com êxito, TSC entrou em ruptura com a pintura, contrariando uma carreira artística promissora para poder viver livremente, sem se sentir encerrada entre quatro paredes e precocemente dependente de uma actividade de que faz parte a fama. Esse seu percurso alterado levou-a a tornar-se precursora no restauro da arte popular da pintura a fresco, empreendendo um grande número de trabalhos de restauro por todo o país, muitos dos quais se encontram hoje em «rotas do fresco». A posteriori, já noutras condições que considerou mais propícias, voltou à pintura e a expor. 
A sua pintura, em geral a óleo e de várias dimensões, é figurativa, dividindo-se entre personagens humanas, com frequência reais e em particular de origem africana, e o confronto com representações físicas da natureza na sua concretude e aparente «brutalidade» simbólica.
Embora tímida como sempre, TSC apreciou o diálogo que a sua pintura suscitou.      




















Um novo apartheid
«Um novo apartheid», visionamento de documentários sobre a ocupação da Palestina pelo Estado de Israel, sessão animada por Elsa Sertório, do Comité de Solidariedade com a Palestina, trouxe a debate um militarismo exponencial que não se limita às fronteiras (expansivas) de Israel e que passou a dizer respeito ao mundo inteiro, por força da exportação urbi et orbi da principal produção deste país, o instrumentalismo bélico, constituído não só por material de guerra «clássico», tal como tanques, mas, cada vez mais, por incessantes inovações tecnológicas do mais sofisticado armamento, incluindo o quase invisível. Precisamente porque a ocupação dos territórios palestinianos passou a ser para Israel o laboratório sociopolítico em que experimenta o material bélico destinado a exportação, os seus dirigentes têm feito tudo para tornar impossível uma solução do conflito. E, deste modo, o novo apartheid está instalado, para durar, nas delimitações físicas e político-militares criadas por um regime tido como uma democracia. 

A Ideia
Na apresentação de A Ideia – Revista de Cultura Libertária, pelo seu editor, o escritor e ensaísta António Cândido Franco, autor, residente em Évora, de rara eloquência e grande promotor de fraternidades, veio a terreiro uma ampla teia de conhecimentos históricos, literários e filosóficos que nos seus diversos cruzamentos nos conduziram do movimento operário anarco-sindicalista português da I República aos actuais planaltos do surrealismo. Expondo o surgimento desta revista (cujo primeiro número saiu logo após o 25 de Abril de 1974) como um trabalho de redescobrimento da história anarquista em Portugal, que ficara soterrada durante décadas, chamou a atenção para a iluminação que nisso teve o seu fundador, João Freire, cuja deserção da guerra colonial o levara a exilar-se em França, onde estabeleceu profícuos contactos com anarquistas espanhóis refugiados da Guerra Civil. Ao explanar a amplitude do anarquismo, sem esquecer as suas contradições, António Cândido sublinhou a universal dimensão filosófica desta corrente do pensamento e as ligações electrizantes que com ele tem estabelecido o surrealismo, incluindo o português, a que A Ideia tem vindo a dedicar muitas das suas páginas. Como se observou a certa altura, o surrealismo foi em parte, em Portugal, durante o fascismo, o espírito que manteve à tona o anarquismo, em grande parte aniquilado nos anos 30 pela feroz repressão exercida pela ditadura.

Manuel Maneira   
Manuel Maneira, agricultor em Castelo de Vide, expôs com verve e a simplicidade dos sábios a sua particular trajectória de dissidente da medicina. Quando se apercebeu, no seu trabalho de enfermagem, em Lisboa, que a medicina convencional era sobretudo encarada como um negócio, por um lado (pelos profissionais da saúde), e, por outro, como uma solução técnica automática (pelos doentes), que se desresponsabilizavam da cura, essa constatação, que lhe saiu da pele e foi para ele uma grande desilusão, levou-o a procurar, também a pulso, outros caminhos de vida. E depois de ter praticado, com bom sucesso, a arte da olaria, enveredou posteriormente pelas artes agrícolas, de que aos 80 anos continua a ser um jovem praticante – levando-o a declarar que é hoje, ao praticá-la, muito mais enfermeiro do que foi outrora. Ao mesmo tempo, a sua opção filosófica pela agricultura (orgânica) como contributo curativo sublinha a importância cada vez maior que esta deve ter, se não quisermos continuar a viver de pernas-para-o-ar, lembrando a este propósito o lema essencial de Hipócrates, o pai da medicina: «Que o teu medicamento seja o teu alimento, que o teu alimento seja o teu medicamento.»




















Palha de Abrantes
Lurdes Martins, presidente da direcção da Palha de Abrantes, apresentou a história desta associação que fez vinte anos em 2015. O seu comovente testemunho não se limitou a uma exposição prosaica ou cronológica. Levantou questões importantes cujo conhecimento é bom termos presente, em particular no tocante à relação, ou relações, que uma associação cultural desenvolve no contexto social em que se insere. Por exemplo, quando uma associação, que é um irmanado conjunto de pessoas, tem como rumo ser independente, pensar livremente e por si mesma, isso pode fazê-la deparar com hostilidades, por vezes inesperadas. 
A Palha tem em Abrantes uma intervenção cultural de longa data que se baseia grandemente na dádiva dos seus responsáveis e intervenientes, pessoas cujo modus vivendi não procura obter situações confortáveis no plano material. Mas, apesar disso, e das provas dadas, designadamente no trabalho com crianças e jovens ou no muito que têm feito em prol do cinema, inclusive no respeitante à realização (de documentários ou de filmes de animação co-realizados por crianças, alguns deles premiados em certames internacionais), o seu não reconhecimento pela cidade revela-se frustrante. Quando aos esforços de todos os dias que é preciso levar a cabo para que a associação prossiga vem juntar-se a incompreensão dos seus destinatários ou dos que deveriam ser seus parceiros activos, não é surpreendente que surja a vontade de desistir. A Palha já esteve para acabar. E foi precisamente para o impedir que Lurdes Martins deixou a sua profissão segura, para se dedicar a algo que lhe custava muito que desaparecesse.
Numa associação destas privilegia-se o fomento de relações estimulantes, sadias, susceptíveis de promover o enriquecimento pessoal de cada um, a começar pelo das crianças. Mas se as pessoas se desinteressam disso? Se os pais, torcendo o nariz, acham que as crianças «se sujam» nas actividades que lhes dão prazer? Se as entidades locais menosprezam muito desse trabalho voluntário, em vez de o apoiarem? Em tais casos, o associativismo devém um estoicismo cujo desgaste pode tornar-se insuportável.

Podemos
«A irrupção do Podemos e a situação política em Espanha» foi o tema apresentado por Luís Vintém, activista e fotógrafo, professor em Portalegre de vídeo, guião e fotografia, que tem acompanhado muito de perto a evolução política em Espanha, não só como observador mas também como interveniente. 
Por ter sido uma expressão directa de movimentos sociais de base surgidos em Espanha a partir de 2010, em particular através do 15M, o Podemos, organizado em partido em 2014 para poder concorrer a actos eleitorais, introduziu novidades no espectro político espanhol, que levaram, designadamente, às recentes repetidas e notórias dificuldades na constituição do governo, expressão das contradições que se têm agudizado na sociedade. Através do Podemos exprimem-se, sem dúvida, vozes contraditórias, mas as exigências que formula e o programa social de que é portador representam uma pedra no sapato da actual política dominante espanhola, no sentido da defesa e ilustração de los de abajo. A conquista, pelo Podemos, da governação de cidades importantes, a começar por Madrid e Barcelona, introduziu esperanças que são muito reais. E as suas potencialidades acabaram por alterar a representatividade parlamentar e de governação nacional, bem como o seu conteúdo; presentemente, o PSOE, formalmente de esquerda, já faz parte do mesmo sector que o PP. As dinâmicas eruptivas desencadeadas pelo programa económico do Podemos obrigaram também à criação de uma espécie de «Podemos de direita», o Ciudadanos, tentativa táctica para contrabalançar a sua influência, que apesar de altos e baixos tem vindo sempre a aumentar (nas eleições europeias de 2014 foi o quarto partido mais votado e obteve cinco eurodeputados). 
Dada a grande proximidade do nosso país, geográfica, cultural, económica, o acompanhamento da situação em Espanha não pode deixar de fazer parte das nossas preocupações.

Júlio Henriques

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